O que dizem sobre nós
Inevitabilidades
Vem aí uma criança na sua vida? Antes de mais, muitos parabéns. Não vou pelo discurso convencional do “que seja uma hora pequenina”, “que vos deixe dormir à noite” ou “já tem nome?” (já agora, se ainda não tem nome, lembro que Vasco é sempre uma opção. Especialmente se a criança for rapaz.) Não vou por aí. Não. Se vem aí um bebé, vou é pedir-lhe que leia este texto com muita atenção. Porque as situações que vou escrever vão acontecer-lhe. Garanto-lhe. Tudo o que vai ler a seguir é tão inevitável quanto uma cena de nudez na Guerra dos Tronos. Ou num videoclip da Ana Malhoa. São, basicamente, inevitabilidades nesta coisa de ser progenitor.
Vai sempre achar que o seu filho é o bebé mais bonito de todos. Mesmo que diga a si mesmo “eu é que não vou ser desses pais…”. Tenho notícias para si. Ai vai, vai. Sempre que vir outra criança, vai sair-lhe um “ai que bonito!”, mas no fundo a sua vontade é dizer “sim, até não está mal, mas o meu é muito mais bonito!” Vai dar por si a ver crianças na rua e a comparar com a sua. E o seu bebé vai ganhar essa competição como se fosse o Barcelona a jogar nos Distritais de Aveiro. É inevitável.
Lembra-se de encontrar aqueles seus amigos e o assunto ser única e exclusivamente futebol? Pois agora, se esses amigos também forem pais, quando os encontrar vão continuar a falar de futebol, porque há coisas que não mudam. Mas até chegar ao assunto “bola”, a conversa será sobre tácticas para adormecer crianças, sobre a quantidade de xixi que já levaram em cima e uma apresentação das 357 fotos das respectivas crianças que cada um tem no telemóvel. Todas elas iguais. É inevitável.
Tem um acontecimento especial. Um aniversário. Uma festa da empresa. Vestiu-se a rigor. Já nem se lembra da última vez que teve um tempinho para si. Sente-se impecável. Está absolutamente imaculado/a. Antes de sair, percebe que, nas horas que se vão seguir, vai estar fora de casa e vai sentir saudades da criança. E isso vai custar. Por isso, decide pegar no bebé para lhe dar um beijo antes de sair de casa. A criança vai bolçar para cima de si. É inevitável.
Decide fazer um programa só com ele/ela. Ideia: deixar o miúdo nos avós, depois ir jantar fora, ir à sessão da meia-noite no cinema ver o último do Tarantino, voltar para casa e só ir buscar a criança aos avós no dia seguinte. O que acontece na realidade? É deixar o miúdo nos avós, ir jantar fora, voltar para ir buscar o miúdo e ir para casa. “Que se lixe o filme. Estou com saudades do pirralho e o Tarantino está em DVD não tarda”. É inevitável.
Vai ao super-mercado. Enquanto olha para a prateleira e pensa se o melhor é levar as fraldas do tamanho 2 ou o tamanho 3 – “porque o miúdo não pára de crescer e não vale a pena estar a comprar não sei quantos pacotes de fraldas que daqui a uma semana já lhe estão apertadas e coitadinha da criança que vai ficar desconfortável toda apertadinha” – vai dar por si a abanar o carrinho das compras como se fosse o carrinho do bebé. É inevitável. É capaz de ser estranho para quem esteja a ver. No entanto, as bananas, o leite condensado e o alho francês que já estavam dentro do carrinho vão adorar.
Vasco Palmeirim