O que dizem sobre nós
Não gosto. Mas adoro.
Há coisas que, quando chega a notícia que vamos ser pais pela 1ª vez, sabemos que vão impreterivelmente acontecer. Vamos passar horas da nossa vida a trocar fraldas, a receber chamadas dos nossos pais a perguntar “quando é que vêm cá???” e o piso 4 do El Corte Inglés deixa de ser “aquele piso cheio de pais com carrinhos e crianças aos gritos que observamos quando passamos lá na escada rolante” e passa a ser simplesmente “a nossa tarde de Sábado”.
Mas há outras coisas que só sabemos depois dos primeiros tempos de vida do pirralho. E porquê? Porque são coisas que surgem consoante a personalidade do petiz. São aspectos da nossa vida que têm uma relação directa com aquilo que ele faz. Aquilo que ele gosta. No fundo, aquilo que ele é. E assumo que há coisas que o meu herdeiro faz que eu, à partida, não aprecio. Mas o engraçado da paternidade é que nos faz ver as coisas de outra maneira.
Decidi abordar está temática de uma maneira, digamos, poética. Num esquema de rimas cruzado “A-B-A-B”.
Muita atenção, leitor! Não confundir esta fórmula cruzada com outros esquemas rimáticos como a emparelhada “A-A-B-B” ou a interpolada e banda da Suécia composta por Anni-Frid, Benny, Bjorn e Agneta “A-B-B-A”. “E porquê a rima cruzada?” – pergunta o leitor. “Não seja cusco!” – respondo eu.
Eis então o poema.
(Imagine lido pelo Vítor de Sousa. É logo outra coisa.)
“Não gosto. Mas adoro”
Um poema de contradições de um pai confuso e babado.
Não gosto a meio da noite, quando estou a dormir
E ele decide acordar, raio do moleque.
Mas adoro vê-lo a adormecer logo a seguir
Sugando chupeta ao som dos Fleetwood Mac. .
Não gosto quando o levo ao jardim e, por vezes,
ele desata a correr sem a minha mão segura.
Mas adoro perceber que um pirralho de 14 meses
já possui tamanho espírito de aventura.
Não gosto quando se atira para o chão, chora e faz fita
“Tomás, meu filho, isso não pode ser!”
Mas adoro pensar que com este jeito para o drama ele já se habilita
A entrar na 27ª temporada da “Única Mulher”.
Não gosto quando falo com ele por videochamada
E não liga puto a mim e à sua mãe.
Mas adoro ficar com a minha alma descansada
Ao perceber que com os avós ele sente-se tão bem.
Não gosto, nem acho nada bom
Que ele passe muito tempo em frente à TV.
Mas adoro quando, de repente, ele ouve um som
Que o faz mexer o pezinho como a Beyoncé.
Não gosto quando decide pegar no meu telefone
Quando ele tem os seus próprios brinquedos.
Mas adoro vê-lo quando faz deslizar os ícones
Com aqueles queridos mini-dedos.
Não gosto de ser perturbado na casa de banho
A hora pós-refeição é uma hora sagrada
Mas adoro quando ele entra, olha-me com ar estranho
E desata à gargalhada.
Não gosto que ele esteja a crescer tão rapidamente
Ainda no outro dia chegou ao mundo!
Mas adoro ver este pirralho tornar-se gente
E não quero perder um único segundo.
Vasco Palmeirim